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12 de dezembro de 2014

Pausa pra balanço

Acho fascinante chegar ao final do ano e perceber a relação entre a expectativa do ano anterior e a realidade do período corrente, comparar o que previa e esperava com aquilo que aconteceu ou está em curso. É claro que o saldo da comparação nem sempre é feliz, agradável aos olhos e às memórias. Mas acho que ainda assim é interessante fazer esse exercício de balanço geral, avaliação, ajuste de contas. Sobretudo no meu caso, eu que vivo de planos e metas.

Em fins de outubro completei três anos de corrida. Em dezembro faz três anos que consegui sair do zero absoluto e pude comemorar meus primeiros oito minutos consecutivos de trote. No ano seguinte minha meta foi correr 5 km, em 2013 eu quis me aventurar nas provas de 10, planejei fechar o ano com uma São Silvestre caseira e fiz tudo isso, com altos e baixos, sucessos e insucessos.

No fim de 2013 me comprometi a participar de um triathlon curtinho organizado pelo SESC, comprei uma bicicleta para voltar a pedalar, treinei pesado, acordei cedo pra treinar no escuro. Fui lá e fiz, festeei com as amigas, quase ignorando o fato de que fui a pior competidora na fase do ciclismo. Humpf (Não que eu não soubesse que o resultado seria mais ou menos esse, certo? Vamos ser realistas).

Pouco depois, meio injuriada e meio aflita para estabelecer um projeto novo que me animasse, me inscrevi na Golden Four de SP. Meses de treino adiante, segui praticamente à risca a planilha que me daria mais resistência e mais força. Fiz a prova à beira do colapso, tamanho o medo de não conseguir, de passar mal, de morrer, apavorada com as notícias de corredores caindo mortos em provas. A bem da verdade fiz os últimos treinos, em junho/julho, já sentindo os desagradáveis efeitos físicos e psicológicos de alguns anos de estresse e de problemas varridos para baixo do tapete, somados à exigência física. O que aconteceu? Completei minha primeira meia maratona, muito emocionada e muito feliz, e dias depois meu copo transbordou.

Crises de ansiedade, crises de pânico, a certeza de que eu estava à beira de um ataque do coração ou de um derrame que iam me derrubar instantaneamente. Os sentidos em alerta total o tempo todo, a cabeça acelerada, o coração disparado, o suor, o medo. A atenção redobrada, corrida ao hospital numa noite, pouco antes do fim do expediente, uma série longa de consultas e exames, só para ao final ouvir de mais de um especialista: você não tem nada. Nada físico. Um não-diagnóstico, quase, não fosse o fato de que o "nada" era um transtorno de ansiedade, que chegou para coroar também um diagnóstico de transtorno bipolar.

Eu, que sempre fui tão prudente com meus treinos, tão cuidadosa, procurando cada vez mais entoar o mantra "não exagera", não cair na armadilha do excesso de exigência, da neura com peso e com desempenho (isso ainda está em processo). Isso não estava nos planos, não pensei nisso no final de 2013, quando estabelecia minhas metas para o ano (a princípio eu queria apenas fazer as provinhas da cidade e correr a Volta da Pampulha).

Fui obrigada a desacelerar na marra, me habituando aos remédios que me dopavam, lidando com sono e com uma crise depressiva que me prostraram por dias. Não tive simplesmente a semaninha regenerativa antes de partir pra próxima, tive alguns meses de "eu quero que se dane tudo, preciso sair do buraco" alternado com "eu quero que se dane tudo, não quero sair do buraco".

Não quero que ninguém entenda isso que estou contando como alguma história comovente de superação. É uma trajetória de altos, baixos e muita coisa inesperada, como é a de quase todo mundo. Em algum momento a coisa ia estourar, e estourou, busquei ajuda, posso contar com gente que me apoia e com recursos para me tratar, estou feliz com isso. E efetivamente uma hora consegui levantar e abrir a janela. Readaptei horários e rotina e segui.

Depois disso fiz mais algumas provinhas (a Volta USP daqui, minha prova do coração, a Corrida Cartoon com meu filho, entrei na pipoca das 10 Milhas e decidi que mesmo levando minha água nunca mais faço prova superior a 10k sem estar inscrita, corri em Itatiba e baixei meu tempo dos 10k) e me inscrevi na segunda meia do ano: a primeira prova de 21k da cidade. Não precisaria fazer treinos tão volumosos, a base estava boa (a prova é que fiz tranquila a Volta USP, fiz as 10 milhas no percurso medonho de subidas da cidade). Treinei sem muito desespero (dei migué na musculação umas vezes, na verdade), fui lá sem expectativa de tempo (na verdade olhei a altimetria, pensei na data - 30 de novembro, em Bauru - e na expectativa de calor e cravei "iiih amigos, não chego antes de 2:30h de prova"), corri a prova rindo, cantando junto com a música dos fones, trocava umas palavras de incentivo com a Nôra, que estreava na distância e passava do lado de lá às vezes, e cheguei com seis minutos a menos que na G4. Além das expectativas, muito além.

Já tenho planos pra 2015: os planos são tentar não ter muitos planos. Os planos incluem me respeitar, andar com cautela e correr com alegria. Os planos preveem que eu continue aprendendo a desfrutar do que eu tenho de bom, sobretudo os momentos passados com as pessoas incríveis que estão à minha volta e a lidar bem com o que não é tão bom assim, com os imprevistos e com as dificuldades. Isso é o mais necessário, o resto é consequência. O resto é lucro.


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